Espaço

Bruno Garofalo
5 min readNov 1, 2022

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DALL-E

O homem bateu à porta, e uma senhorita abriu para recebê-lo.

— Pois não, senhor?

— Não precisa me chamar de senhor.

— Como posso chamá-lo, então?

— Com o tempo eu lhe direi meu nome. Escute, eu estava de passagem. Estou viajando. Você vê que não carrego muita coisa; apenas esta mala com algumas roupas e documentos pessoais. Mas gostei da sua casa, achei bonita. É sua mesmo, não é?

— Sim, é minha.

— Perfeito. Gostaria de saber se poderia passar algum tempo com a senhorita. Sua companhia me parece bem agradável.

— Concordo. Minha companhia é, de fato, bem agradável. Mas não precisa me chamar de senhorita.

— Como posso chamá-la, então?

— Com o tempo você descobrirá meu nome.

— E sobre a estadia?

— Bom, você precisa saber que já tem alguém morando aqui.

— Sim, tem você.

— Além de mim. Existe outra pessoa.

— Ah, claro. E onde ela está agora?

Ele está viajando, como você.

— Entendo. Bem, se houver um sofá ou algo assim e estiver tudo bem para vocês, eu gostaria de ficar um tempo.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Você compreende que não posso me dedicar a você da mesma forma que me dedico a ele, certo?

— Certo. Eu acho. Mas isso pode mudar com o tempo. Independentemente disso, vou me dedicar a você e à sua casa.

— E a ele?

— Passarei a maior parte do tempo me esquecendo de que ele existe, se não for um problema.

Algum tempo se passou, e o homem teve que passar alguns dias fora. Esteve doente, então demorou mais do que o planejado para retornar. Quando voltou, percebeu que o sofá em que dormia estava arrumado como se ele nunca tivesse estado lá.

— Algo aconteceu por aqui?

— Sim. Ele esteve aqui, enquanto você estava fora.

— Ele quem?

O outro.

— Ah. É verdade, eu me esquecia dele de propósito. E ele já foi?

— Por enquanto, já.

— E quando ele volta?

— Não sei. Mas a casa é dele também, então ele pode voltar quando quiser. Não sei se você ficará confortável quando ele estiver aqui. Sem querer parecer rude, embora eu seja inevitavelmente: você tem alguma previsão de ir embora? Não que eu queira que você vá embora. Eu não quero.

— Na verdade… Eu gostei tanto de morar com você que pretendia ficar um pouco mais. Se estiver tudo bem, é claro.

— Por mim está tudo bem, mas e por você?

— Aí é o que veremos.

Algum tempo depois, o homem notou que a convivência parecia ter algo de diferente. Não que fosse da conta dele; a decisão de se acomodar tinha sido tomada por ele. Era apenas natural que ele assumisse a responsabilidade de aceitar quaisquer consequências de seus atos. Mesmo assim, ele investigou.

— Tem algo de errado?

— Não. Você percebeu algo de errado?

— Você me parece meio distante. E quando fala ao telefone, sempre fala dele. Você fala de mim para os outros?

— Falo. Mas… — ela hesitou. — Você não mora aqui.

— Bom, eu moro.

— Não em definitivo.

— Ainda.

— Ainda?

— É… perdão. Isso saiu de mim sem qualquer controle. Eu entendo que talvez seja uma forma errada de pensar.

— Não, não é… É apenas saudável e normal. Você já está vivendo aqui há algum tempo.

— Então quer dizer que nada mudou?

— Bem, você percebeu alguma mudança?

— Creio que não — refletiu. — Bom, eu sempre soube que essas eram as condições. Mas eu não podia deixar de falar. Me calar seria nocivo para minha saúde. Principalmente se você desejasse que eu fosse embora.

— Não desejo que você vá embora.

“Ainda”, pensou ele.

Um tempo depois, tomado por uma espécie de transe, sem saber distinguir realidade de sonho (ou de universo paralelo), ele abriu os olhos e contemplou o teto da sala. O sofá em que dormia era confortável, mas não era uma cama. Ele dormia sozinho, a anfitriã no quarto ao final do corredor. O único que dormia no mesmo cômodo que ela era o outro. Ainda que ele não o visse e não interagisse com ele, sabia que o outro existia.

E isso, por si só, já era um incômodo.

Ele sabia que, se continuasse daquele jeito, acabaria sofrendo. De dores nas costas ou em outras partes mais abstratas do corpo. Juntou as coisas na mala, rabiscou um pedaço de papel, colocou-o embaixo de um vaso de plantas para que não voasse e foi embora. A chave que tinha, deixou sob um adorno do lado de fora.

Quando acordou, no dia seguinte, a senhorita viu o sofá arrumado, mas não encontrou a mala nem o homem que a carregava. Viveu a manhã como se nada tivesse acontecido, até que notou o papel rabiscado. Ele estava embaixo da flor que enfeitava a mesa no centro da sala.

Sentiu um pequeno aperto no coração, pois tinha de alguma forma se afeiçoado a ele. E agora não sabia quando ele voltaria, se é que pensava em voltar algum dia. No papel ligeiramente manchado por gotas — de algo que ela pensou serem lágrimas — , em uma caligrafia peculiar, lia-se:

“Nunca houve espaço para mim.”

Eu abri meu coração. Agora é hora de você abrir o seu. Curtiu? Então deixa suas palmas aí nesse texto se ele fez você refletir ou mesmo sentir alguma coisa. Vale até se te arrancou um sorriso. Se você quiser me acompanhar mais de perto e saber com exclusividade o que eu penso, você pode clicar no botão ao lado da minha foto para me seguir no Medium e sempre ficar de olho nas publicações.

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Carta anônima #21

A importância de escrever memórias

Pensamentos demais, espaço de menos #5

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Bruno Garofalo

Levando poesia à vida comum. Textos às segundas, com (cada vez menos) raras exceções. Escrevo sobre o que quer que me inspire.